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Um retrato de Claire Drumond
por Claire Drumond

O Manifesto Ágil ainda é válido?

Em meio a uma revolução tecnológica, nos perguntamos se o Manifesto Ágil ainda deveria ser o nosso guia, a medida em que vamos em direção a um mundo definido por constante inovação. Em suma, este documento inovador nos ajudou a sair do transporte de produtos como carga em navios a entregas de mesmo dia efetuadas por um drone. Mas hoje, somos menos pioneiros e mais exploradores dos mares de aperfeiçoamento contínuo, o que nos leva a pensar se também seria a hora de aperfeiçoar o Manifesto?

Sua origem

No início de 2001, tendo as montanhas de Wasatch, em Snowbird, Utah, como plano de fundo, 17 pessoas se reuniram para discutir o futuro do desenvolvimento de software. Os membros do grupo compartilhavam uma frustração com o estado atual das coisas, mesmo que discordassem sobre como resolver a situação.

O problema, eles concluíram, era que as empresas estavam tão focadas em planejar e documentar os ciclos de desenvolvimento de software, que acabavam esquecendo do que importava mesmo: agradar os clientes.

As empresas poderiam até pregar valores corporativos como "excelência" e "integridade", mas eles pouco guiavam as pessoas, em especial os desenvolvedores de software, em direção a um caminho melhor. Esse modelo precisava mudar. Muitos dos 17 de Snowbird já tinham ideias de como levar o desenvolvimento de software a uma nova era. A viagem às montanhas era a chance de discutir essas ideias.

O Manifesto Ágil surgiu deste fim de semana prolongado com apenas 68 palavras, e este documento curto e fofo mudou o desenvolvimento de softwares para sempre. Em quase duas décadas desde a sua criação, essas palavras (e os 12 princípios que se seguiram) foram adotados (em diferentes níveis) por inúmeras pessoas, equipes e empresas.

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Os 12 princípios do Manifesto Ágil: uma cultura, definida

A paisagem ágil de hoje em dia parece cheia de metodologias que prometem transformar os ideais ágeis em realidade. Mas a loucura da metodologia de hoje não tem nada de novo.

O Manifesto nasceu da necessidade de encontrar um denominador comum entre Scrum, Programação Extrema, Crystal Clear e outras estruturas.

"Estavam começando a ver que havia algo comum no que estavam fazendo. Mas na época, eram todos concorrentes, pelo menos em pensamento", conta Ian Buchanan, Engenheiro de Soluções Principais para a DevOps, na Atlassian. "Quando você contextualiza, o fato de conseguirem concordar em alguma coisa é meio profundo".

Os 17 de Snowbird queriam ver se os representantes das diferentes disciplinas poderiam concordar em algo. E para a surpresa deles, foi o que aconteceu. Eles concordaram com um conjunto de valores que definiu uma cultura.

São eles:

Manifesto do Desenvolvimento de Software Ágil

A gente está descobrindo formas melhores de desenvolver software ao desenvolvê-lo e ao ajudar os outros a desenvolver software.

Por meio deste trabalho, a gente passou a valorizar:

Pessoas e interações mais do que processos e ferramentas

Software funcional mais do que documentação abrangente

Colaboração com o cliente mais do que negociação de contrato

Resposta a mudanças mais do que planos a serem seguidos

Ou seja, embora haja valor nos itens à direita, a gente valoriza mais os itens à esquerda.

Kent Beck James Grenning Robert C. Martin
Mike Beedle Jim Highsmith Steve Mellor
Arie van Bennekum Andrew Hunt Ken Schwaber
Alistair Cockburn Ron Jeffries Jeff Sutherland
Ward Cunningham Jon Kern Dave Thomas
Martin Fowler Brian Marick

Os Doze princípios de software ágil, também um produto do encontro de Snowbird, ampliam o punhado de frases que compõem os valores.

E pronto. Desde então, o site do Manifesto Ágil mudou muito pouco, se é que mudou. Mas o mundo que o rodeia está muito diferente.

Uma imagem mostrando dois autores escrevendo um manifesto ágil moderno.

O grande debate sobre o ágil

Os 17 de Snowbird foram bem-sucedidos em unificar seus pontos de vista divergentes em alguns princípios essenciais, mas o debate não acabou ali. De certa forma, a metodologia ágil se desmembrou em muitas outras maneiras de operar do que aquelas que os visionários haviam pensado no início. Parece que todo mundo tem a sua concepção de ágil.

Hoje em dia, existe o SAFe. Existe o LeSS. Existem aplicações de metodologia ágil que não têm nada a ver com desenvolvimento de software, mesmo que o Manifesto comece dizendo: "Estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software, fazendo-o nós mesmos e ajudando outros afazerem o mesmo".

Dave West, CEO da Scrum.org, que visita várias empresas para observar práticas ágeis, destaca uma equipe de pesquisa que está usando um método ágil para desenvolver a cura da cegueira genética usando vírus.

É verdade que aderir ao método ágil fora da área de autenticação dos softwares é algo que se popularizou, mas não é necessariamente a intenção dos criadores do Manifesto.

"Não é que ele não possa ser interpretado, mas é preciso ter uma maior compreensão para se ter certeza de que as ideias sejam traduzidas com fidelidade", afirma Buchanan.

A maior compreensão nem sempre está disponível, mesmo na área de desenvolvimento de softwares.

O complexo de ágil industrial

Muitos dizem que o "faux agile," como também é chamado, e seu gêmeo do mal, o "dark agile" são exacerbados pela monetização da educação ágil e pela consultoria. Alguns vão ainda mais longe e chamam as empresas por trás desta monetização de "O Complexo Industrial Ágil".

"O culto à carga ágil está presente quando você fala e diz as coisas certas, mas não entende os princípios fundamentais. Você não está tendo resultados", afirma Buchanan.

Alguns (talvez muitos) consideram a Atlassian a culpada disso, já que a gente oferece ferramentas que viabilizam estruturas ágeis como o Scrum e o Kanban. Mas a gente acredita que a agilidade é um valor cultural e que as equipes devem ter o poder de trabalhar da maneira que acharem melhor. Estruturas ágeis trabalham junto com valores culturais, mas, se você não tem um padrão cultural, o que fizer pode resultar em algo que já começa falho.

Seja "faux", "dark" ou "culto à carga", estas subversões do método ágil muitas vezes levam a situações que vão de encontro às intenções do Manifesto, como microgestão, estimulação da taxa de sobrecarga, falta de entrega e a priorização de processos em relação a princípios como as mais notórias, mesmo que os praticantes sejam certificados. Infelizmente, essas experiências de "dark agile" fazem com que algumas pessoas desistam do método ágil como um todo (ou as reescrevam para que reflitam sua experiência no mundo real).

Ron Jeffries, um dos 17 de Snowbird, tentou abordar tais aberrações com a seguinte qualificação:

"Aqui e em outros artigos, eu uso a palavra 'Ágil' entre aspas para me referir às muitas instâncias, abordagens e processos que usam a palavra 'ágil' para se descreverem, mas que não aderem necessariamente à carta ou ao espírito do Desenvolvimento de Software Ágil descrita no Manifesto Ágil. Algumas vezes, vou usar 'Faux agile' para enfatizar ou 'Dark agile' para descrever as tais abordagens 'ágeis' que deram muito errado. Talvez eu use 'Manifesto Ágil' para me referir às ideias essenciais do Manifesto, no qual eu ainda acredito".

Porém, dada a sua ampla, às vezes mal orientada, adoção, o Manifesto Ágil ainda é um documento de referência?

O Manifesto ainda é válido?

Depois de falar com centenas de clientes da Atlassian, Coaches Ágeis internos e externos, entusiastas e praticantes vorazes, sem falar na quantidade absurda de tempo que a gente passa lendo sobre ele nas redes sociais, eu posso dizer com toda certeza que a resposta é: Sim. O Manifesto ainda é relevante, talvez mais agora do que nunca.

Meus colegas Dan Radigan, Coach Ágil Empresarial Sênior, e Ian Buchanan, que trabalham com os clientes todos os dias, confirmaram que reforçam o Manifesto com novos clientes com regularidade.

Tanner Wortham, Coach Ágil e Gerente Técnico de Programa Sênior na LinkedIn, diz citar o Manifesto com frequência. Wortham, que passou 10 anos na Marinha, disse que começou a praticar o método ágil antes mesmo de saber que ele tinha esse nome. Para ele, se chamava simplesmente "liderar a Marinha". Mas, para Wortham, dar nome a algo é o primeiro grande passo para o enfrentamento.

"Até que você dê nome a alguma coisa, você não sabe mesmo o que fazer com ela. Eu acho que foi o que o Manifesto fez. Deu um nome. E chamaram de ágil. Eu acho que era algo que já estava acontecendo. Mas quando o nomearam, puderam identificar com mais facilidade".

O CEO da Scrum.org, West, nota que os princípios do método ágil não são bem novos. Só estão sendo aplicados de um jeito novo.

"Quando eu olho para as premissas por trás do Manifesto, vejo que elas não foram criadas pela gente", disse West. "São as premissas do método científico. Galileu fez uso delas, assim como Arquimedes".

Talvez a maior conquista do Manifesto Ágil foi codificar uma maneira de pensar que ainda não havia sido utilizada no desenvolvimento de softwares, o que certamente não é coisa pequena.

O que isso tudo significa?

Então os princípios do método ágil existiam antes do Manifesto Ágil. As pessoas os aplicavam no desenvolvimento de software. Esses valores foram captados no Manifesto Ágil. Então, as pessoas pegaram os princípios do Manifesto e começaram a aplicar em seu próprio trabalho. Com toda essa reciclagem de ideias, será que é hora de atualizar o Manifesto Ágil?

Não necessariamente.

Quando algo com tanta importância cultural quanto o Manifesto aparece, você até pode fazer novas interpretações, mas não há nada como o original. Então, em vez de tentar fazer uma atualização oficial, talvez seja melhor descobrir como aplicar a si mesmo, à sua equipe ou à sua empresa.

"De muitas maneiras, o Manifesto é a base de uma conversa," disse Wortham. "Essa é a minha interpretação. Qual é a sua? Tudo bem, vamos descobrir como trabalhar juntos".

Neste contexto, talvez o mais importante seja que este não é um documento abençoado com o qual todos concordam, mas se um grupo de pessoas (uma equipe ou toda a empresa) pode aplicar ou não as ideias do Manifesto em sua situação específica sem perder a sua essência de vista. E se a gente conseguir fazer essa aplicação direito, então as possibilidades são ilimitadas.

"Eu acho que se a gente fizer tudo certo, o mundo vai estar pronto para ser um lugar maravilhoso. A gente poderia acabar com o câncer. Meus filhos viveriam até os 150, 175, provavelmente," disse West. "Eu acho que a gente pode conseguir e vai conseguir".

Agradecimentos especiais a Amanda O'Callaghan, Ian Buchanan, Dan Radigan, David West e Tanner Wortham por compartilharem suas visões e expertise neste artigo.

Claire Drumond
Claire Drumond

Claire Drumond é estrategista de marketing, oradora e redatora da Atlassian. É autora de diversos artigos publicados nos blogs do Trello e da Atlassian e sempre contribui para várias publicações do Medium que incluem a HackerNoon, a Art+Marketing e a PoetsUnlimited. Dá palestras sobre agilidade, quebra de silos e desenvolvimento de empatia em conferências de tecnologia no mundo todo.

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